Entendi...

O vento sopra surdo... Leva embora as folhas, restos de papéis... O céu está escurecendo, as nuvens são espessas, anunciando que vai chover. Pouco a pouco finas gotas de chuva caem, pingos grossos e por fim uma chuva forte, intensa, fria e insensível. Fico ali parada na água que começa a acumular, já está em meu tornozelo, não me movo, meus cabelos me cobrem a vista, mas ainda vejo nitidamente à minha frente as folhas ensopadas sendo levadas pela força da água... O vento faz com que a chuva caia em diagonal. Sinto tanto frio, mas não tenho forças pra sair do lugar, sinto um soluço preso na garganta, minhas lágrimas se misturam com as gotas de chuva, fecho os olhos e tento fazer com que o tempo pare, recordo o passado; já não ouço os ruídos da noite ou o estrépito da tempestade, vejo tudo de bom que se passou, agora sinto as lágrimas escorrerem sem rumo, livremente em minha face... E desperto com uma mão a me tocar, já não dá pra definir quem é, a noite é bem negra e a chuva me embaça a visão. De repente o clarão de um relâmpago e vislumbro uma silhueta a minha frente, não consigo distinguir quem é, mas sorri pra mim e de novo escuridão... Novo clarão e já não vejo mais ninguém, fecho novamente os olhos... Estou só no meio daquela tempestade violenta, tento dar um passo e noto que a água já está acima de minha cintura, algo me prende os pés, tento desvencilhar-me, a água sobe mais rapidamente, perco o equilíbrio e afundo, já não consigo ficar de pé e mesmo assim não adiantaria pois a água já ultrapassara minha altura, tento ficar calma e me abaixo para me soltar, quando me dou conta que são mãos que me prende os pés, assustada vejo rostos desfigurados, rostos medonhos, corpos flutuantes como espectros, há muitos deles, e nadam para perto de mim, seguram meus braços, e em vão me debato, quase sem oxigênio, olho ainda em volta, sinto que vou desmaiar, a vontade de chorar cresce em meu peito, fica presa de novo, me dói a alma, sei que vou morrer, morrer do modo mais terrível, do jeito que eu mais temia e ainda cercada por fantasmas, como num clarão vejo o rosto de todas as pessoas queridas, posso distinguir Nick, Miih, Iago, há outros, mas estão embaçados... Mas de repente somem como fumaça e vejo Maria de Fátima... Ela me abraça bem forte e diz: "Não chore, não precisa ter medo, estou aqui, sempre estarei do teu lado... Não chore!" e foi se distanciando, fiz força pra tentar alcançá-la, mas o esforço foi inútil, ela se afastou sorrindo. Então gritei com todas as minhas forças, gritei de desespero, de medo, dor e desesperança, e abri os olhos... Ainda estava no mesmo lugar, era noite ainda, mas a chuva cessara, e pude ver a lua prateando algumas poças de água aqui e ali, e eu de joelhos, sem entender o que acontecera... Ainda sentia o abraço de minha amiga, e suas palavras ainda ressoavam em meus ouvidos... Levantei-me tonta, olhei em volta e vi que meus pés não estavam presos, um pouco enlameados. Olhei novamente pra lua, e entendi tudo. Caminhei lentamente, ainda sem rumo, e então segui em frente, mesmo sem saber onde iria dar, ainda olhei pra trás e pude ver que havia muitas folhas e nenhum papel... Folhas demais, como antes, as árvores estavam secas. Voltei para meu caminho e enquanto caminhava notei que estava clareando e mais na frente havia uma pedra, mais uma vez olhando pra trás, subi nela e olhei pra frente, quando a luz do sol me ofuscou...

Lilian Holmes
 

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